Sem

Ela me traiu.

Na primavera das nossas vidas, vi-a desabrochar e a colhi pra mim. No verão da nossa vida, trabalhamos como a formiga na fábula da cigarra, criamos filhos, desejamos e conquistamos. Agora que chegamos ao outono da meia-idade, quando tínhamos tantos planos de viajar e estragar os netos, ela vai embora. Vai atrás do desconhecido, de uma nova aventura. Desta vez sem mim.

Ela me deixou.

E eu fiquei aqui, com o consolo de vagar pela casa e ver nos espelhos seu reflexo passando, sentir sua presença nas panelas que ela não sabia usar, nas flores semanais que não estão no jarro em cima da mesa da sala, no armário agora sem suas coisas mas ainda com o cheiro dela. À noite, busco suas mãos, seus pés e seus seios em nossa cama, e quase os encontro.

Ela me enganou.

Havíamos combinado que eu morreria primeiro.

Gisela.

Nenhum comentário:

Postar um comentário