Reflexões ao cair da tarde

A era da incerteza, como foi definido o século XX, decididamente moldou meu pensamento. Flutuando ao sabor das incertezas tenho a impressão que atingimos a era do ‘seja-o-que-Deus-quizer’. Foi tudo muito rápido e a pós-modernidade me assusta... o imprevisto se apresentou como um traço do viver. 

No tocante a loucura, a mudança foi radical. Eu me lembro de haver no bairro sempre algum tipo esquisitão, conhecido e evitado por todos. Atualmente ser esquisitão pode ser elegante. Incrível, mas maluquice, (agora classificada como ‘transtorno’), é um novo estilo de ser. Ter transtorno é original e todo mundo quer o seu. A psiquiatria moderna apresenta um espectro detalhado e abrangente de transtornos dos quais é praticamente impossível escapar. A oferta é grande e a demanda enorme. Existe a bulimia, o transtorno de pânico, a obsessão compulsiva, as diversas fobias, enfim, há maluquices para todos os gostos. É irresistível. Um aspecto surreal do consumismo contemporâneo. Tornou-se assunto de conversa em festas e reuniões, onde apresentar um transtorno singular faz enorme sucesso, afinal não existe nada mais vulgar do que uma loucura banal. Ter transtorno exótico é moderno, quase uma ‘griffe’: algo como Louis Vuitton ou Cartier... uma loucura! Antigamente o cara era maluco e pronto.

Semelhante à loucura pós-moderna, nuances caracterizam a nova sexualidade com diversos grupos GLS e sutis diferenças. Muitos saíram do armário e outros entraram de gaiato. Com boa vontade procuro entender os novos padrões, no entanto a recente onda de bissexualidade me deixa intrigado. Uma visão maniqueísta... pode ser... mas antes não havia o meio termo e a nova posição é desconcertante.

E assim por saudosismo, ou talvez por atavismo, conserve hábitos e mitos sexuais. Sofia Loren, Marilyn Monroe, Audrey Hepburn ou mesmo Virginia Lane continuam vivas em minha mente como a quarenta anos; congeladas no tempo. Embora várias estejam mortas, ou completamente diferentes da imagem que preservo, continuam sendo as minhas divas e ponto final. Ocasionalmente, com alguma decepção, descubro no obituário do jornal que aquela atriz maravilhosa – minha fantasia sexual quando garoto – morreu do mal de Parkinson, aos 87 anos em uma clínica da Califórnia. Apesar de previsível, é frustrante... e toda vez me surpreende.

O costume de ler o obituário de jornal transcende a simples leitura: torna-se rotina obrigatória. Tempos atrás uma sessão despercebida, hoje é dos pontos altos do jornal. Uma sessão cheia de surpresas, muitas vezes dolorosas, mas eventualmente divertidas... dependendo do morto do dia. Há dias, e não são raros, em que o obituário está mais interessante que o editorial. Nesses momentos de reflexão forçada pelas circunstâncias, procuro o apoio ou um incentivo com aqueles de minha geração. Do suicídio de Vargas em 1954, que ainda me recordo, ao ataque às Torres Gêmeas em 2001, vivenciamos (como espectadores ou participantes) eventos transformadores da história da humanidade. Vivia-se em um mundo bi-polarizado com o confronto OTAN e Pacto de Varsóvia, e no Brasil partimos da ‘Era JK’, passando pelo ‘Golpe Militar’, o glorioso retorno à democracia em 85, chegando – praticamente ilesos – a ‘Era Lula’. E não faltou o entusiasmo... falta agora a ilusão, a fantasia necessária. Como notou Mario Quintana: “Só a saudade é que faz as coisas pararem no tempo...”

O olhar para o passado, no entanto me desperta. Diante de tantos desconcertos percebo na mudança uma contingência existencial e na vida um ritual. ...um rito único e espetacular.

Richard

Nenhum comentário:

Postar um comentário