Eufemismos

Em uma charge de Millor Fernandes dois peixinhos conversam num aquário quando um deles diz: “Ainda bem que Deus existe, mas quem troca a água?” Em outubro será decidido nas urnas quem vai trocar a água e, a despeito de toda esperança que Deus seja brasileiro, confesso estar desanimado.

Sem surpresas a campanha eleitoral segue uma tradição irritante: as eternas promessas jamais cumpridas – educação, saúde e segurança. São os mesmos discursos, as mesmas palavras e o mesmo cinismo, no entanto dentro desse cenário previsível reconheço certas mudanças e, como seria de se supor: mudanças para pior. A mais flagrante, a princípio, é a institucionalização dos erros de concordância e gramática. Antes da “Era Lula” o discurso limpo e correto sempre foi o habitual, mas o popular presidente aboliu este paradigma e atualmente falar errado tornou-se informal, o usual e até elegante. A favorita de nosso presidente é uma campeã neste quesito, pois quando comete uma declaração pública balbucia grunhidos, conceitos desconexos e afirma absurdos, dependendo do local, ocasião ou estado de espírito. A antiga subversiva do período militar subverte agora o idioma pátrio. Faz sentido... novas idéias e antigos ideais.

Outro legado do ‘estilo Lula’ e largamente utilizado são as metáforas e eufemismos convenientes. O filósofo Arthur Schopenhauer, em ‘Dialética Erística’ cunhou essa manobra como ‘Manipulação Semântica’ e assim a definiu: “quando um discurso é sobre um conceito geral que não tem nome próprio e que deve ser designado figurativamente por uma metáfora, é preciso escolher a metáfora que mais favoreça nossa tese”. Dessa forma durante o autoritarismo militar os opositores ao regime o classificavam como ‘ditadura opressora’ e os militares o definiam como ‘a ordem constituída’ e dentro do conceito de ordem constituída foram cometidas as maiores barbaridades. Para tanto basta alterar a Constituição e o inadmissível se torna legal. Tudo muito simples e prático.

Com um olhar no passado recente os principais candidatos à presidência assinaram e se comprometeram com a Declaração de Chapultepec – um acordo firmado entre os países das Américas em defesa da liberdade de Imprensa e expressão. Na mesma semana em que reportava o fato, a Imprensa noticiou o XVI Encontro do Foro de São Paulo, com a participação de 54 organizações políticas de esquerda entre elas o PT. No encontro foi proposto o controle do Estado sobre a ‘Mídia’ e seu conteúdo alegando a “democratização dos meios de comunicação”(sic). Sem dúvida é assustador, um eufemismo perverso para o cerceamento da liberdade de pensar e discernir. 

Extraído do jargão publicitário, o termo Mídia é o predileto pelos metafóricos de plantão para definir Imprensa. Quando há um interesse político em celebrar a liberdade de expressão usa-se Imprensa, mas existindo um desejo excluso e camuflado em controlar a Imprensa livre é usado Mídia. Ninguém declara abertamente a intenção de reviver a censura, entretanto percebe-se a nítida vontade em cercear os meios de comunicação:  a tão propalada Mídia. Liberdade de Imprensa é um estorvo para a classe política da situação, afinal é através da divulgação dos fatos que a opinião pública toma conhecimento do ‘mensalão’, ‘anões do orçamento’, ‘dinheiro na cueca’ e outros tantos. Os órgãos de Imprensa produzem registros impressos, fotográficos e filmados incomodando demais aqueles que “trocam a água” a seu bel prazer, como por exemplo, o Maluf – outro artista dos eufemismos. Esteve preso, tem ficha na Interpol e ainda se vale de todos artifícios possíveis para driblar a ‘Lei da Ficha Limpa’ protelando a decisão da Justiça... e com total certeza da impunidade.

E parecendo uma piada de mau gosto, a surpresa nessa campanha foi a inédita proibição aos humoristas delimitando o nosso direito ao riso e a diversão a parâmetros impostos pelo TSE. A gargalhada, seguramente o segundo maior prazer do ser humano, foi alvo de censura impiedosa. O inusitado gerou o receio de uma regulamentação para o primeiro prazer, onde seriam estabelecidas normas e condutas do tipo – isso pode, aquilo não e aquela coisa nem pensar. Na ocasião, tenho certeza... arranjarão o eufemismo adequado para a deliberação.

Deixou de ser uma questão ideológica para se transfigurar em uma obsessão mórbida pelo poder. O célebre publicitário Carlito Maia observou certa vez: “Quando a esquerda começa a contar dinheiro, converte-se em direita”. O fenômeno é visível nos últimos anos com a transformação de antigos líderes sindicais e revolucionários dos anos 70 em milionários da noite para o dia ao assumir os chamados cargos de confiança do governo, e de total desconfiança para o povo. O cuidado com o erário público foi carnavalizado fazendo a folia de alguns poucos ao surripiar muitos milhões – milhões de reais e milhões de brasileiros. Tem-se a impressão que o despudor e a compra aberta de apoio político se tornaram ritual necessário para o exercício da governança e o rito conhecido como ‘alianças para governabilidade’ é a metáfora conveniente para o conchavo sacramentado. 
   
Neste contexto é fácil imaginar a forma que Dilma Rousseff, (a provável sucessora do Lula), fará para conciliar a Declaração de Chapultepec com a firme determinação de seu partido em seguir o exemplo de Hugo Chaves e as ações recentes de Cristina Kirchner para reprimir a livre expressão de idéias. Obviamente através de ardilosa manipulação semântica com ornatos de uma afirmação de princípios escrita por algum redator competente. Em nossa história temos um precedente perigoso no discurso de posse do presidente Garrastazu Médici: “Homem da lei, sinto que a plenitude do regime democrático é uma aspiração nacional”  e  “...creio necessário consolidar e dignificar o sistema representativo baseado na pluralidade dos partidos e na garantia aos direitos fundamentais do homem” (sic). Seu governo, todavia foi considerado o mais obscuro e repressivo de toda a história da República do Brasil. A retórica vazia e falas sem alma são dignas somente da observação de Hamlet – “Words, Words, Words...

Quanto a mim, absorto em dúvidas hamletianas e confinado no aquário de opções escassas... observo enquanto aguardo quem irá trocar a água.

Richard 

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