A Carta do Tempo


Goiânia, 08 de fevereiro de 1990.
Meu caro Rodrigo,

Escrevo-lhe esta carta para que leia daqui a exatos vinte anos.
Meu objetivo é lhe lembrar quem você era, para você refletir sobre quem você é.

Ao ler estas linhas você estará com a senil e inimaginável idade de 37 anos (!), e eu ainda nas áureas 17 primaveras (antes imaginava que este ano disputaria minha primeira Copa do Mundo, mas os olheiros falharam e ainda não me descobriram para o futebol).
Algumas novidades lhe conto (novas só para mim, por óbvio!): há pouco mais de quinze dias dei meu primeiro beijo na boca. Talvez você não se lembre, mas foi no seu aniversário de 1990. E estou namorando a menina! Confesso-lhe, você vai me entender, que já penso até em casar com ela! Meu pai me diz: "moleque, vai viver, vai beijar outras, que história de ficar namorando!", mas não estou nem aí, quero é namorar mesmo uma só.

Mudando um pouco de assunto, acabei de votar na primeira eleição presidencial após a ditadura. No primeiro turno cravei Ronaldo Caiado, pelo singelo, justo e pragmático motivo de ser o candidato goiano, disputando com o rival paranaense a quarta ou quinta posição. Minha mãe também votou nele, porque acha ele lindo. Tudo bem, você pode até me achar um adolescente babaca e um pronto e acabado alienado político, mas acho ambos os motivos (meu e de mamãe) válidos. No segundo turno, para me redimir, anulei meu voto, escrevendo na cédula "PUNK'S NOT DEAD!", e desenhando um símbolo enorme do anarquismo! Vai, fala que sou alienado agora!
Boa notícia: acabo de passar no vestibular. Vou fazer Direito. Queria fazer Jornalismo, mas meu pai disse que não pagaria a inscrição na prova, perguntando que eu queria o quê? Trabalhar na rádio com o Kajuru, comentando os jogos do campeonato goiano? É, ele tem razão, quero mais é um carguinho no governo, casar, ter meus três ou quatro filhos e uma casinha em condomínio fechado aqui no Cerrado. Ainda poderei viajar o mundo inteiro, ver o Flu contra o Boca em Buenos Aires, em Tóquio ganhando do Milan na final do Mundial, ir ao show dos Inocentes no Circo Voador, ver os Replicantes em Porto Alegre, e, quem sabe, a volta caça-níquel do Clash em Wembley!

Bom, espero somente que com tua avançada idade não tenha ainda perdido o prazer de sonhar. E que nunca deixe de ser quem você é, seja você quem for. O mais importante: que, se de tudo isso que penso em me tornar nada (ou pouco) logrei ser ou fazer, que tenha pelo menos curtido o caminho.

Do cara que mais te quer bem (sem contar com mamãe, claro),

Rodrigo

P.S. Vou tentar ouvir, pelo menos uma vez por ano, "Forever Young" do Dylan. Te prometo. 

2 comentários:

  1. bem, irmã também não deve contar nesse amor! mas a foi a dany, sua irmã completamente fora de órbita - e que eu aprendi a gostar de graça (juro que não paguei nada por isso, a não ser uma xícara de café com doce de leite!) - que me 'receitou' este blog. parabéns. seu texto me fez viajar. vou continuar passeando por aqui, vez ou outra. visite o meu também: http://odonodotempo.blogspot.com
    grande abraço.
    rimene amaral

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