O Trânsito Nosso de Cada Dia

É janeiro. E janeiro sempre me pareceu um mês mais devagar. Ainda estão frescos e soam alto as loucas e deliciosamente desafiantes promessas feitas na noite de reveillon... e iniciadas na primeira segunda-feira seguinte às festas (ou após o carnaval, conforme a promessa). As minhas promessas, vez em sempre, referem-se ao gerenciamento do meu tempo: quero aproveitar melhor o tempo, correr menos para estar mais presente em cada momento do meu dia. É por isso que janeiro me parece tão gostoso: o trabalho corre mais lento, o transito flui melhor, mas não o suficiente para afastar um engarrafamentozinho nosso de cada dia.
Hoje o trânsito está particularmente bom. Sinto até falta do congestionamento que já se anuncia na linha vermelha, nos outros meses do ano, há alguns kilômetros antes do Fundão no meu trajeto diário de volta do trabalho. Como o congestionamento não estava lá, eu corria um pouco mais e ainda não me havia dado conta da musica que tocava na MPB FM e de que já fazia mais de 3 horas do meu último lanche (e comer de três em três horas é uma das promessas renovadas de vez em sempre!).
Mas ele chegou, e, dessa vez, me assustando. Após uma freada um pouquinho mais brusca, observo um homem equilibrando-se entre carros com seu pacote de biscoito globo e pipoca doce em uma das mãos e um isopor nas costas. Ai, que susto! Esse homem é maluco? Será que ele não sabe que o engarrafamento, em janeiro, começa um pouquinho pra lá? Com certeza sim, eu me auto respondo, ele trabalha aqui, está aqui todos os dias, como eu! Já parada, peço uma água a um colega de trabalho do rapaz que eu quase atropelei, para me refazer do susto, que me diz, apressado: só a água? Só a água? Sim. Quanto é? E a pipoca? Rendo-me também a pipoca, que, pra mim, tem gosto de infância. Entrego cinco reais, abro o biscoito e a água e observo como está tudo sempre lá, pelo menos desde a minha adolescência, quando chegávamos ao Rio, nas férias, pela Av. Brasil: vários e vários trabalhadores vivendo do engarrafamento e da criatividade brasileira para inventar uma forma de fazer algum dinheiro. Mas janeiro traz um triste diferencial em relação aos demais meses: há crianças trabalhando na linha vermelha, sentindo, da pipoca, um outro gosto.
A lentidão do transito me ajuda a diminuir do ritmo da vida, a olhar o lado, a pensar o momento. Fecho o vidro, recolho-me e sinto o sambinha da Maria Rita que toca na radio: "E é a guerra das desigualdades/A humanidade lavando a roupa/Oportunidade não cruza o Rebouças/É muito louca a vida por aqui..."
Carina

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