À noite vejo a moça na janela.
Sinto que me espiona. Com as luzes apagadas tem a ingênua ilusão que seu olhar furtivo não é notado. Tão logo percebo paro de ceifar o mato. É um serviço barulhento, reconheço, mas enfim, o que há de se fazer? É a única maneira de construir meu barraco camuflado.
Por sorte no prédio ao lado mora um maníaco sexual – do tipo sado-masoquista. Adora bater na mulher. O tarado tem requintes fetichistas, embora sua tara predileta seja bater. E bate forte, mas notei que é bem correspondido. Como frisou Nelson Rodrigues –“Toda mulher gosta de apanhar”, e aquela não foge a regra nem um pouco. Geme de prazer a cada tapa e tem orgasmos transcendentes com o estranho ritual.
Aqui do alto do morro, em companhia dos índios do mato, temos uma ótima visão e um novo passatempo. Os índios, não conheciam essas práticas, e meio abestalhados acharam a maior loucura. Alguns ficaram assustados, mas a maioria se esbaldava de tanto rir. O Juruna, no entanto ficou tão entusiasmado resolvendo em seguida fazer a ousada brincadeira com a mulher. Meu Deus, o feitiço virou contra o feiticeiro e como aquele índio apanhou da mulher. Depois do inesperado, nunca mais deu as caras no alto do morro. O pretenso taradinho deve estar encabulado, pois quem presenciou a cena, viu o Juruna apanhar mais que boi-ladrão.
O mais interessante são as fantasias e, com certeza o mais divertido para os índios. O imprevisto é a rotina do tarado. Em certos dias aparece de Batman, em outros de Homem Aranha, às vezes de funcionário público, contudo a fantasia predileta é a de Nosferatu. Ela por sua vez se alterna entre colegial, enfermeira, Santa Terezinha e nos dias de Nosferatu de Bela Adormecida. Apesar de intrigado, nunca consegui descobrir a relação entre Nosferatu e a Bela Adormecida, mas os ritos são rígidos e pré-determinados. Nosferatu com Bela, Homem Aranha com a enfermeira, Batman com a colegial e o funcionário público com Santa Terezinha. Que imaginação...! Eu nunca poderia conceber Santa Terezinha transando com um burocrata do ministério. Devo confessar com certo acanho: a cena me excitou //// cheguei a ter uma ereção.
O ritual sempre segue o mesmo enredo. Primeiro os tradicionais tapas, depois as sugestivas algemas e por fim o chicote – símbolo maior do fetichismo. Quando a encenação atinge o clímax, o sádico arrasta a mulher para a cozinha e copula sobre a bancada da pia, exatamente como Michael Douglas e Glenn Close em ‘Atração Fatal’. É o eterno fascínio por Hollywood, a fábrica de sonhos. O casal, entretanto é bastante criativo e com frequência alterna a bancada com o fogão de seis bocas ou a mesa da cozinha. A essa altura os índios vão ao delírio e os mais entusiasmados chegam a bater palmas. É tocante. Sutilezas e momentos como esses fazem a vida ter sentido.
A moça da janela, atraída pela algazarra no prédio do lado, fica completamente absorta e me esquece por uns dias. Foi o momento de ceifar o mato e construir o meu barraco. De sua casa a moça curiosa não tem boa visão, e certamente não entende o que se passa. Possivelmente deve imaginar coisas incríveis. Histórias macabras... quem sabe...? Outra livre criação da mente... pode ser.
Depois de certo tempo os rituais maníacos perderam o seu fascínio inicial. As tramas ficaram repetitivas e até mesmo a maioria dos índios perdeu o interesse. Atualmente o que me atrai é ficar no meu barraco, com as luzes apagadas observando a moça da janela. Quanta doçura, e tão diferente do casal bizarro. Debruçada no computador, tenho a impressão que escreve estórias. Devem ser poemas, estórias de amor, relatos engraçados ou até contos de terror. Talvez seja pura fantasia minha; e não canso de admirar. Afinal, o encanto da vida surge em pequenos detalhes. De dia desço e enfrento a faina do trabalho, mas...
...à noite vejo a moça na janela.
Richard
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