Quase morri sem ver o mar

Cuspi, cuspi com força aquele homem. Arremessei o sujeito para longe, para fora de mim sem piedade  Não queria mais um covarde no meu leito. Não costumo ser condescendente com suicidas. Foi assim o meu impulso. Sem pensar. Mas, depois eu entendi sua estória e me arrependi.

Após expulsar o tal homem de minhas entranhas, eu o vi inerte num lugar seguro. Observei que uma mulher se encaminhava em sua direção. Estava aflita; muito angustiada. Gritava: - amor, amor acorda... querido, não morre...

Um homem fardado vinha correndo atrás dela. Olhou para aquela criatura estendida no chão e viu que não estava morta. – Tá vivo, moça! Ele respira! Parece que bateu com a cabeça, mas vai sobreviver... Meus companheiros já vêm ajudar. Está tudo em ordem... Fique calma.

A mulher começou a chorar e fez carinho na testa do homem desfalecido. – Será que vai sobreviver? – Levanta, amor... Acalmou-se um pouco e agradeceu ao homem fardado - Obrigada.  Muito obrigada  Não entendo porque ele fez isso...
- Muito prazer. Sargento Turíbio Sebastião. Já vi que a senhora conhece esse homem. Ele andava deprimido? - Nãaaaaao, respondeu a mulher. Ele estava bem até ontem à noite. Desculpa, meu nome é Cléa. Sou casada com ele.
- D. Cléa, vocês não são daqui, não é? A moça logo respondeu. - Nós somos de Cristalina. Conhece? Uma antiga cidade de mineração de Goiás. Viemos para cá por desejo dele. Andava meio cansado. Quis tirar uns dias de férias.
- Puxa, vieram de longe; disse o homem fardado. Não preferiram visitar o Rio de Janeiro?  Tão pertinho e tão bonito.  Búzios e Cabo Frio são também badalados.

Cléa olhou o sargento e falou. – É, eu preferia Búzios, mas meu marido cismou de ficar aqui.  Ele cisma com cada coisa... O senhor não vai acreditar, mas ele nunca tinha visto o mar. E nem se interessou por isso a vida toda. Não ligava mesmo. Não queria ver o mar. Só que de uns dois anos para cá, sem mais nem menos, passou a colecionar fotos de praias.  Tem até um álbum...
- Que coisa; ter fotos de praia e não querer ver o mar...
– É, sargento, ele só gosta das fotos. É um homem do sertão, de terra firme e não gosta do litoral.
- Desculpa a indiscrição, Dona Cléa?  Por que ele coleciona fotos de praia se não gosta de mar? 
- Acho que é pela beleza. Olha as fotos, compara. Coloca uma perto da outra. Vai para a janela ver melhor.  Separa tudo pela cor do mar.  Verdes e azuis de todos os tons. Imagina o senhor, que ele tem fotos de praias do mundo inteiro. Sei lá o que meu marido procura... . Eu já perguntei, mas ele não diz de jeito nenhum... Cada um coleciona o que quer... Não é?
- É verdade.  Vai ver é só um passatempo...
- Aaaah, uma vez ele disse alguma coisa sobre as fotos. Foi quando decidiu que queria vir para cá de qualquer jeito. Queria ver o mar de Arraial do Cabo. Da cor de  esmeralda cristalina.  Disse que só tinha visto uma coisa mais linda na vida...  Aí me convenceu...
- É Dona Cléa, seu marido sabe das coisas...
- É sargento. Deve ter se lembrado de alguma pedra preciosa lá de Goiás... Quem sabe?

A ambulância chegou. Dois homens fardados bateram continência para o sargento e carregaram o homem ferido numa maca. Todos foram para o hospital.  

E eu fiquei triste e com o arrependimento me corroendo todo. O homem não era covarde e nem suicida.

Um louco. Naquela manhã bem cedinho o tal sujeito veio na minha direção.  Ficou totalmente nu na minha frente. Adentrou sem pudor. Começou a falar alto e de braços abertos como se me abraçasse:  - Miriam; perdoa ter escondido você por tanto tempo, meu amor. Volta; volta; coisa mais linda de minha vida. Vim atrás de seu olhar de esmeralda cristalina...

Clicia

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