410

Passa o 410. Entro. Dou de cara com o motorista exausto, agora às 21:30, provavelmente completando a sua décima sexta hora de trabalho do dia. A roleta interage comigo mais do que o trocador. Os dois já estão cansados de estar ali. O trocador mal me olha, já a roleta... Ela está exaurida – imagina ficar rodando sem parar, sabe-se lá quantas vezes por dia e desde quando! Para me mostrar que está mais ambientada do que eu, me dá aquela travada. Sinto o baque, olho pro lado, se muito dou uma olhada pro trocador com cara feia. Pronto. Já fui denunciado, não sou passageiro profissional. Aquela auto-afirmação que poderia ter sido conquistada com minha desenvoltura e familiaridade na roleta me será negada pelas pessoas que testemunharam o incidente. Já era.

Passada a roleta chego ao corredor, que me assemelha a uma passarela. Três ou quatro passageiros me acompanham com o olhar. Vou me segurando porque a esta hora o motorista já passa a quarta marcha e o 410 me sacode de um lado pro outro, voando baixo na entrada da Voluntários, já sem trânsito. Finalmente, depois de muito malabarismo eu e minha mochila conseguimos sentar, não sem antes ter de pedir licença a um idoso que está ao lado do único assento vago, uma janela. Idoso é idoso, penso, por algum motivo se sentou ali e deixou a janela livre. Não para fugir do sol porque já é noite, mas talvez evitando uma gripe.

Olho pro lado e me dou conta de que acabei sentando no único lugar disponível e que não, não era o meu. Não é a quinta fileira... Começo a sentir os espasmos. A coceira na perna chega à alma que me angustia com uma sensação cruel de tristeza e é então que me levanto de um salto e peço licença novamente ao idoso. Passados apenas segundos de ter feito exatamente a mesma coisa, com toda a morosidade do corpo, ele é rápido em concluir que há algo errado. Ainda assim, se vira lentamente e me deixa sair. Começo a me sentir melhor no exato momento em que consigo vê-lo, o melhor lugar do 410, o encontro das janelas na quinta fileira do lado direito e o vento delicioso que entra por elas diretamente no rosto do feliz passageiro que, infelizmente, não sou eu.

Letícia Stallone

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