Submarinos Afundados



Por que será que os vidros deste carro estão embaçados? Não está chovendo, nem mesmo está tanto calor assim – pelo menos em comparação com as últimas noites deste verão que, como todos os anos, é o verão mais quente dos últimos tempos. Sei que estamos em pleno aquecimento global, mas nunca ouvi falar de fenômenos localizados em cantos escuros de ruas pacatas cercadas de árvores.

Quando vi um leve movimento no carro estacionado, reconheci o fenômeno, que na verdade era outro: um casal namorando dentro do carro. A última vez que vi isto ocorrer devia ser há uns quinze anos. E eu era a protagonista.

Então pergunto: onde foram parar os casais de namorados jovens? Não estou me referindo a encontros efêmeros que têm como objetivo ir às vias de fato, mas de jovens casais em início de relacionamento, talvez o primeiro sério de um dos dois ou ambos. Aquela etapa em que o rapaz avança “uma base” de cada vez, em um jogo onde a menina tem a obrigação moral de se defender, retirando insistentemente a mão dele de onde quer que ela vá parar.

Não dava para jogar este jogo no sofá da sala da casa dos pais, mas ainda não tinham chegado ao ponto de ir a um motel. Então, acontecia no escuro do cinema, ou, no caso de outro programa, ambos ficavam ansiosos para o momento em que ele ia deixá-la em casa, provavelmente no carro do pai, em tempos pré-lei seca.

Ele estacionava um pouco antes ou um pouco depois do prédio, para não dar bandeira, mas não adiantava, o porteiro era sempre o primeiro a saber que a menina estava namorando (antes do pai, com certeza!).

Uma geração anterior ainda usava mais este recurso, até para a fase seguinte, em substituição ao motel: eram as “corridas de submarino”. Para quem não está familiarizado, os casais iam de carro para a beira da praia, com esta desculpa. Dizem que o termo surgiu durante a segunda guerra mundial e que os rapazes realmente convenciam as meninas de que poderiam ver um submarino passando (em São Paulo, por razões óbvias, era chamada de “corrida de disco voador”).

Por que será que acabou esta história de namoro no carro?

De imediato, penso na falta de segurança na cidade. As pessoas mal param em sinais de trânsito, e quando param, ficam bem atentas, imaginem ficar parado em uma situação em que a concentração no ambiente em volta é nula? Com isso, os pais ficaram mais permissivos. Preferem seus filhos em casa, mesmo que trancados nos quartos fazendo sabe-se-lá-o-quê, do que na rua.

Outra hipótese talvez seja mais conseqüência do que causa: a efemeridade das relações amorosas. Vemos jovens de ambos os sexos saindo à noite e competindo quem dá mais beijos na boca (em pessoas diferentes, claro).  A banalização do sexo, com a facilidade de acesso via TV e internet, pode ter criado uma geração em que esta fase de “avanço gradativo” no namoro seja considerada desnecessária.

Agora, para explicar por que este casal resolveu retomar este hábito antigo bem na minha rua, só tenho uma hipótese: eles devem morar aqui em frente, devem ser casados há uns sete anos, e estão buscando resgatar a magia do início do namoro. Nada como uma rua com guarita de segurança.

Gisela

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