O garoto tinha um dedo machucado sob as pernas arranhadas e brancas de poeira, dentro de um par de tênis imundo. A barriga sobrava na camisa de alguém – o ex-dono da roupa era alguém obviamente menor que ele. Sobrava a tal barriga e o olho – era preciso não dormir, apesar do cansaço. Não se mexia. Pensava, do alto dos seus onze anos, que um dia queria ser palhaço em um circo. Seria algo? O futuro estava em suspenso, um pouco mais do que para as outras pessoas.
Queria jogar futebol, chutou um pedrinha pequena, catou uma tampa de plástico no meio da imundície daquele chão sujo, daquele lugar sujo, daquela vida. A boca permanecia calada já de duas horas – eram duas horas de silêncio em um menino de onze anos construído por muitos silêncios. Os ombros estavam doloridos, peso do que se carrega, e ele carregava coisas que já não podia, que nunca poderia ter.
Do alto do mais alto barraco daquele morro, ele espreitava. Tinha onze anos, quase doze. Até que viu algo se mexer. Em um silêncio de menino emudecido pelo tempo, não pensou mais no picadeiro colorido, gigantesco.
O movimento curto dele deslizou o orvalho, desenhando um rio sobre a superfície gelada e escuramente metálica. Poder. O dedo deslizou lentamente no gatilho, tracejando a madrugada.
Eloise
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