A conferência

- Onde já se viu confiar assim em um taxista? E sair de casa sem sequer olhar um mapa?

Enquanto anda, já com pés que latejam apertados no salto alto, ouve a voz ríspida de sua imaginação. Madalena martela mentalmente a repreensão de seu marido. Aquela que ouviria se lhe tivesse ocorrido recarregar a bateria do telefone e ousasse chamá-lo, solicitando sua ajuda. Aproveita para bater-lhe o telefone na cara.

Deve estar a três quarteirões de seu destino e começa a repassar as baboseiras que despejará sobre a platéia atenta e sedenta por novidades trazidas da França. "Mesmas tolices paridas em território nacional, talvez tragam desconfiança dessas supostas verdades. Mas, importadas, são garantia de sucesso e de aplausos" – pensa, cínica. Há tempos enfastia-se de suas crenças e suspeita que suas pesquisas nada mais sejam do que "ficção científica".

O brilho da blusa que veste - discreto à luz artificial do anfiteatro de cadeiras sempre cinzas - parece agora gritar sob os raios solares e contra o tropical azul do céu.  E os brincos, colar e anéis, tão cuidadosamente escolhidos, sobram-lhe na figura já claudicante.

É quando uma imagem a detém: deitadas no chão da praça, três cabeças de uma aparente fera única e retorcida, erguem-se em sua direção, separando três cães em múltiplos latidos. Ao fundo, um castelo de raízes altas e copa frondosa parece, por eles, guardado. Castelo, de pormenores, enfeitado: guirlandas de garrafas-pet e papéis picados. Inúmeros penduricalhos. E, por entre a cortina de madeira, folhas, papel e plástico surge outra mitológica espécie: de serpenteados cachos emaranhados, sujeira secular e sorriso por dentes despovoado. O homem, quase-árvore quase-bicho, ergue então o braço e, dedo em riste, rege sua sinfonia de confusas palavras-sabedoria:
  
- Porque o quadrado da hipotenusa é o cosseno sem sentido do senso inapreendido daquilo que não sabemos.

Madalena retira os sapatos. Desce. Senta-se. E assiste.

Liliane

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