Negociando com a Dama de Ferro


Moscou — A notícia da morte de Thatcher é muito triste em verdade. Eu já estava ciente de sua doença grave apesar da última vez que nos encontramos ter sido há vários anos. Dei as minhas sinceras condolências à sua família e a seus entes queridos.

A Sra. Thatcher foi uma líder cujas palavras tinham grande peso. Eu tive a consciência desse aspecto ao me preparar para nosso encontro em 1984. Foi o primeiro passo na busca de uma linguagem comum — uma busca bastante difícil.

Nossa primeira conversa, durante o almoço em ‘Chequers’, foi muito extremada no princípio, quase a ponto de um colapso. Raisa Maksimovna, sentada do outro lado da mesa, ao sentir o teor da conversa ficou preocupada, e assim resolvi aliviar a tensão.

"Eu conheço você como uma pessoa de convicções e comprometida com certos princípios e valores," eu disse a ‘dama de ferro’. "e isso merece respeito. Mas você deve ter em mente que está sentada ao lado de uma pessoa do mesmo tipo. E posso garantir que eu não fui instruído pelo Politburo para convencê-la a aderir ao partido comunista." A Sra. Thatcher riu, e a conversa fluiu para um clima de normalidade.

Depois houve várias reuniões e algumas desavenças. Discordávamos com frequência. Ela, por exemplo, ficou um pouco assustada com as conversas que eu tive com Ronald Reagan em Reykjavik acerca de um mundo sem armas nucleares e um acordo para eliminar os mísseis de médio alcance. "Não iremos sobreviver a outro Reykjavik" ela diria. Então indaguei: "Você se sente confortavelmente sentada sobre em um barril de pólvora nuclear?"

E por qual razão fomos capazes de chegar a um entendimento no final? Creio que uma das razões foi termos desenvolvido gradualmente um relacionamento pessoal que se tornou cada vez mais amigável ao longo dos anos. Por fim alcançamos um grau de confiança mútua.

Foi muito importante a Sra. Thatcher nunca duvidar de nossas intenções, ao ponto de discutir com aqueles que afirmavam ser a ‘Perestroika’ "uma tentativa de reduzir a vigilância do Ocidente," etc.
Na fase crítica da ‘Perestroika’, quando houve a necessidade de um apoio concreto às reformas no nosso país, foi a Sra. Thatcher que ativamente apoiou a ideia da nossa participação no grupo de 7, em Londres e fez um esforço para preparar a reunião.

Entretanto quando encontro realmente ocorreu em julho de 1991, ela já não era mais a primeiro-ministro. Seis meses antes a liderança do Partido Conservador da Grã-Bretanha tomara a decisão de substituí-la. E desse modo, nos encontramos na Embaixada Soviética em Londres.

Tenho lembranças de nossa conversa. “Claro que é bom”- disse a Sra. Thatcher, “ter acontecido o encontro com o G-7, e na verdade, tudo na reunião foi focado sobre o seu empenho em trazer a União Soviética para a economia mundial”. Sabe-se hoje que a União Soviética irreversivelmente entrou no caminho da reforma, e essas reformas têm o apoio do povo e merecem o apoio do Ocidente. Mas, literalmente engasgada com emoção, ela acrescentou: "Por que os líderes das Sete não vão direto ao concreto, às medidas práticas de apoio? Onde estavam os passos concretos? Eles haviam se desiludido, mas agora que declararam o apoio e cooperação, elas devem ser aproveitadas. Não deixe escapar, exija ações concretas!"

O golpe de agosto em 1991 interrompeu os nossos planos; a Perestroika foi interrompida. É interessante que Sra. Thatcher, que sempre proclamou a sua fé no mercado livre, estava cética no tocante a "terapia de choque" e ao enfoque dado pelos nossos reformadores radicais.

Depois nos reunimos em mais de uma ocasião e discutimos isso e diversos outros assuntos, além de argumentar em alguns pontos mais. No entanto sempre concordamos que coube a nossa geração de políticos uma missão importante: pôr fim à guerra fria — e essa missão foi realizada. Margaret Thatcher foi uma grande líder política e uma personalidade extraordinária. Ela permanecerá em nossa memória e na história. 

Mikhail Gorbachev


Mikhail Gorbachev foi o último presidente da União Soviética. Foi depois da reunião de ‘Chequers’(*), por ele relatada, que a Sra. Thatcher disse: "Eu gosto do Sr. Gorbachev. Nós podemos fazer negócios juntos".

(*) Residência de campo do primeiro-ministro britânico.

Transcrito do New York TimesAcesse Aqui

Um comentário:

  1. Mikhail Gorbachev foi, na minha opinião, o político do século XX. Não por ter implantado a Glasnost e a Perestroika em seu governo, mas por ter iniciado, de maneira decisiva interna e externamente, a campanha pelo fim da corrida armamentista nuclear entre as duas potencias. Meu ídolo! Marileusa

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