Ninguém me Ama a Ponto de Ser Eu

Fiz o que era mais urgente: uma prece. Rezo para achar o meu verdadeiro caminho. Mas descobri que não me entrego totalmente à prece, parece-me que sei que o verdadeiro caminho é com dor. Há uma lei secreta e para mim incompreensível: só através do sofrimento se encontra a felicidade. Tenho medo de mim pois sou sempre apta a poder sofrer. Se eu não me amar estarei perdida — porque ninguém me ama a ponto de ser eu, de me ser. Tenho que me querer para dar alguma coisa a mim. Tenho que valer alguma coisa? Oh protegei-me de mim mesma, que me persigo. Valho qualquer coisa em relação aos outros — mas em relação a mim, sou nada. É tão bom ter a quem pedir. Nem me incomodo muito se eu não for totalmente atendida. Eu peço a Deus para eu ser mais bonita — e não é que meu olho faísca ao mesmo tempo que meus lábios parecem mais doces e cheios? Eu peço a Deus tudo o que eu quero e preciso. É o que me cabe. Ser ou não ser atendida — isso não me cabe a mim, isto já é matéria-mágica que se me dá ou se retrai. Obstinada, eu rezo. Eu não tenho o poder. Tenho a prece.

Clarice Lispector

Precisa-se de matéria prima para construir um país

A crença geral anterior era que Collor não servia, bem como Itamar e Fernando Henrique. Agora dizemos que Lula não serve. E o que vier depois de Lula também não servirá para nada. Por isso estou começando a suspeitar que o problema não está no ladrão corrupto que foi Collor, ou na farsa que é o Lula. O problema está em nós. Nós como povo. 

Nós como matéria prima de um país. Porque pertenço a um país onde a esperteza é a moeda que sempre é valorizada, tanto ou mais do que o dólar. Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família, baseada em valores e respeito aos demais. Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nas calçadas onde se paga por um só jornal e se tira um só jornal, deixando os demais onde estão.

Pertenço ao país onde as empresas privadas são papelarias particulares de seus empregados desonestos, que levam para casa, como se fosse correto, folhas de papel, lápis, canetas, clipes e tudo o que possa ser útil para o trabalho dos filhos ...e para eles mesmos. 

Pertenço a um país onde a gente se sente o máximo porque conseguiu puxar a tevê a cabo do vizinho, onde a gente frauda a declaração de imposto de renda para não pagar ou pagar menos impostos. Pertenço a um país onde a impontualidade é um hábito.

Onde os diretores das empresas não valorizam o capital humano. 

Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e depois reclamam do governo por não limpar os esgotos. 

Onde pessoas fazem gatos para roubar luz e água e nos queixamos de como esses serviços estão caros. 

Onde não existe a cultura pela leitura - exemplo maior nosso atual Presidente, que recentemente falou que é "muito chato ter que ler" e não há consciência nem memória política, histórica nem econômica.
Onde nossos congressistas trabalham dois dias por semana para aprovar projetos e leis que só servem para afundar ao que não tem, encher o saco ao que tem pouco e beneficiar só a alguns.

Pertenço a um país onde as carteiras de motorista e os certificados médicos podem ser "comprados", sem fazer nenhum exame. 

Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no ônibus, enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não dar o lugar. Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o pedestre.

Um país onde fazemos um monte de coisa errada, mas nos esbaldamos em criticar nossos governantes. Quanto mais analiso os defeitos do Fernando Henrique e do Lula, melhor me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem "molhei" a mão de um guarda de trânsito para não ser multado. Quanto mais digo o quanto o Dirceu é culpado, melhor sou eu como brasileiro, apesar de ainda hoje de manhã passei para trás um cliente através de uma fraude, o que me ajudou a pagar algumas dívidas. Não. Não. Não. Já basta.

Como matéria prima de um país, temos muitas coisas boas, mas nos falta muito para sermos os homens e mulheres que nosso país precisa. Esses defeitos, essa esperteza brasileira congênita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até converter-se em casos de escândalo, essa falta de qualidade humana, mais do que Collor, Itamar, Fernando Henrique ou Lula, é que é real e honestamente ruim, porque todos eles são brasileiros como nós, eleitos por nós.

 Nascidos aqui, não em outra parte... Me entristeço. Porque, ainda que Lula renunciasse hoje mesmo, o próximo presidente que o suceder terá que continuar trabalhando com a mesma matéria prima defeituosa que, como povo, somos nós mesmos. E não poderá fazer nada... Não tenho nenhuma garantia de que alguém o possa fazer melhor, mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar primeiro os vícios que temos como povo, ninguém servirá. Nem serviu Collor, nem serviu Itamar, não serviu Fernando Henrique, e nem serve Lula, nem servirá o que vier. Qual é a alternativa? 

Precisamos de mais um ditador, para que nos faça cumprir a lei com a força e por meio do terror? Aqui faz falta outra coisa. E enquanto essa outra coisa não comece a surgir de baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do centro para os lados, ou como queiram, seguiremos igualmente condenados, igualmente estancados... igualmente sacaneados!!! É muito gostoso ser brasileiro. Mas quando essa brasilinidade autóctone* começa a ser um empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como Nação, aí a coisa muda... Não esperemos acender uma vela a todos os Santos, a ver se nos mandam um Messias. 

Nós temos que mudar, um novo governador com os mesmos brasileiros não poderá fazer nada. Está muito claro.... Somos nós os que temos que mudar. 

Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o que anda nos acontecendo: desculpamos a mediocridade mediante programas de televisão nefastos e francamente tolerantes com o fracasso. É a indústria da desculpa e da estupidez. 

Agora, depois desta mensagem, francamente decidi procurar o responsável, não para castigá-lo, senão para exigir-lhe - sim, exigir-lhe - que melhore seu comportamento e que não se faça de surdo, de desentendido. Sim, decidi procurar o responsável e estou seguro que o encontrarei quando me olhar no espelho. Aí está. Não preciso procurá-lo em outro lado.

E você, o que pensa?


João Ubaldo Ribeiro

...ainda o inquisidor

No limiar do real e o imaginário certas questões desafiam o entendimento e a ideia de um inquisidor, juiz implacável coabitando em nosso ser, divide opiniões.

Por um lado, os descrentes pragmáticos afirmam ser fantasia delirante ou simples metáfora da sensação de culpa, enquanto idealistas sonhadores articulam outro juízo. A realidade é uma ilusão – dizem eles e, portanto a fantasia é o real... Real no espaço intermediário entre o mito e a ciência, num universo paralelo existente em todos nós.

Neste embate sem consenso me deparo com um imprevisto, que seria estranho se não fosse um fato e apenas fato se não fosse estranho. O inquisidor, com ornatos de mistério, me apareceu em sonho apresentando um processo acusador. Não dispunha de sutileza alguma e expondo improbidades minhas indicava que tudo fora registrado. Tudinho... sem tirar nem por.

O inesperado foi assustador e depois do pesadelo olho em volta e descubro o estranho no banal. O guarda chuva abre em ambiguidades as janelas da mente. Janelas em quadrados despertam atitude de ‘Eureca’ como a Carmem ressaltou. “Ai meu Deus... – penso alto – e o que vem a ser o real”?

As palavras ecoam no vazio e duvido de minha própria existência. Percebo assim que vida e morte são duas faces da mesma moeda separadas pela ilusão do tempo e me belisco para comprovar se ainda existo. Aflito, indago novamente: “E afinal... e o que é o não-real”?

O silêncio subsequente é a cruel resposta. Vivendo em hipóteses aguardo o dia em que a ciência nos livrará de dúvidas... o dia em que a certeza, sintetizada em gotas ou em drágeas, será vendida como um remédio na farmácia da esquina.

Então, envolto em redundâncias, sou impelido a ver o óbvio sem o adorno da ilusão: a doce e meiga Claudia e o monstro Adamastor, apesar das diferenças, constituem um lindo par.

Richard

Negociando com a Dama de Ferro


Moscou — A notícia da morte de Thatcher é muito triste em verdade. Eu já estava ciente de sua doença grave apesar da última vez que nos encontramos ter sido há vários anos. Dei as minhas sinceras condolências à sua família e a seus entes queridos.

A Sra. Thatcher foi uma líder cujas palavras tinham grande peso. Eu tive a consciência desse aspecto ao me preparar para nosso encontro em 1984. Foi o primeiro passo na busca de uma linguagem comum — uma busca bastante difícil.

Nossa primeira conversa, durante o almoço em ‘Chequers’, foi muito extremada no princípio, quase a ponto de um colapso. Raisa Maksimovna, sentada do outro lado da mesa, ao sentir o teor da conversa ficou preocupada, e assim resolvi aliviar a tensão.

"Eu conheço você como uma pessoa de convicções e comprometida com certos princípios e valores," eu disse a ‘dama de ferro’. "e isso merece respeito. Mas você deve ter em mente que está sentada ao lado de uma pessoa do mesmo tipo. E posso garantir que eu não fui instruído pelo Politburo para convencê-la a aderir ao partido comunista." A Sra. Thatcher riu, e a conversa fluiu para um clima de normalidade.

Depois houve várias reuniões e algumas desavenças. Discordávamos com frequência. Ela, por exemplo, ficou um pouco assustada com as conversas que eu tive com Ronald Reagan em Reykjavik acerca de um mundo sem armas nucleares e um acordo para eliminar os mísseis de médio alcance. "Não iremos sobreviver a outro Reykjavik" ela diria. Então indaguei: "Você se sente confortavelmente sentada sobre em um barril de pólvora nuclear?"

E por qual razão fomos capazes de chegar a um entendimento no final? Creio que uma das razões foi termos desenvolvido gradualmente um relacionamento pessoal que se tornou cada vez mais amigável ao longo dos anos. Por fim alcançamos um grau de confiança mútua.

Foi muito importante a Sra. Thatcher nunca duvidar de nossas intenções, ao ponto de discutir com aqueles que afirmavam ser a ‘Perestroika’ "uma tentativa de reduzir a vigilância do Ocidente," etc.
Na fase crítica da ‘Perestroika’, quando houve a necessidade de um apoio concreto às reformas no nosso país, foi a Sra. Thatcher que ativamente apoiou a ideia da nossa participação no grupo de 7, em Londres e fez um esforço para preparar a reunião.

Entretanto quando encontro realmente ocorreu em julho de 1991, ela já não era mais a primeiro-ministro. Seis meses antes a liderança do Partido Conservador da Grã-Bretanha tomara a decisão de substituí-la. E desse modo, nos encontramos na Embaixada Soviética em Londres.

Tenho lembranças de nossa conversa. “Claro que é bom”- disse a Sra. Thatcher, “ter acontecido o encontro com o G-7, e na verdade, tudo na reunião foi focado sobre o seu empenho em trazer a União Soviética para a economia mundial”. Sabe-se hoje que a União Soviética irreversivelmente entrou no caminho da reforma, e essas reformas têm o apoio do povo e merecem o apoio do Ocidente. Mas, literalmente engasgada com emoção, ela acrescentou: "Por que os líderes das Sete não vão direto ao concreto, às medidas práticas de apoio? Onde estavam os passos concretos? Eles haviam se desiludido, mas agora que declararam o apoio e cooperação, elas devem ser aproveitadas. Não deixe escapar, exija ações concretas!"

O golpe de agosto em 1991 interrompeu os nossos planos; a Perestroika foi interrompida. É interessante que Sra. Thatcher, que sempre proclamou a sua fé no mercado livre, estava cética no tocante a "terapia de choque" e ao enfoque dado pelos nossos reformadores radicais.

Depois nos reunimos em mais de uma ocasião e discutimos isso e diversos outros assuntos, além de argumentar em alguns pontos mais. No entanto sempre concordamos que coube a nossa geração de políticos uma missão importante: pôr fim à guerra fria — e essa missão foi realizada. Margaret Thatcher foi uma grande líder política e uma personalidade extraordinária. Ela permanecerá em nossa memória e na história. 

Mikhail Gorbachev


Mikhail Gorbachev foi o último presidente da União Soviética. Foi depois da reunião de ‘Chequers’(*), por ele relatada, que a Sra. Thatcher disse: "Eu gosto do Sr. Gorbachev. Nós podemos fazer negócios juntos".

(*) Residência de campo do primeiro-ministro britânico.

Transcrito do New York TimesAcesse Aqui

Comer Gato por Lebre


― Você já comeu gato por lebre? Perguntaram-me devido a meu ar um pouco distraído. Respondi:

― Como gato por lebre a toda hora. Por tolice, por distração, por ignorância. E até às vezes por delicadeza: me oferecem gato e agradeço a falsa lebre, e quando a lebre mia, finjo que não ouvi. Porque sei que a mentira foi para me agradar. Mas não perdoo muito quando o motivo é de má-fé.

Mas a variedade do assunto está já exigindo uma enciclopédia. Por exemplo, quando o gato se imagina lebre. Já que se trata de gato profundamente insatisfeito com sua condição, então lido com a lebre dele: é direito do gato querer ser lebre. E há casos em que o gato até quer ser gato mesmo, mas lebresse oblige, o que cansa muito. Há também os que não querem admitir que gostam mesmo é de gato, obrigando-nos a achar que é lebre, e aceitamos só para poder comer em paz com tempos e costumes.Tenho mesmo vergonha é quando não aceito lebre pensando que era gato. (Há um provérbio que diz: é melhor ser enganado por um amigo do que desconfiar dele.) É o preço da desconfiança. Mas na verdade, quando aceito gato por lebre, o problema verdadeiro é de quem me ofereceu, pois meu erro foi apenas o de ser crédula. 
Estou gostando de escrever isso. É que várias lebres andaram miando pelos telhados, e tive agora a oportunidade de miar de volta. Gato também é hidrófobo.

Clarice Lispector (A Descoberta do Mundo) 

Ceci


Chamava-se Ceci. Era linda, delicada, tinha longos cabelos lisos, olhos verdes e um rosto muito branco. Eu a via andar pela casa como se a casa lá não estivesse, e penso hoje que não estranharia se, um dia e sem aviso, ela atravessasse uma parede ou brotasse de uma porta fechada. Era como um fantasma, a imagem mais próxima que consigo fazer de um anjo da guarda. Ceci não ria e nunca estava séria: sorria. Nunca a vi em hora que não estivesse sorrindo. Sorria o sorriso dos que entendem. Sentava ao nosso lado e nos assistia como se fôssemos um filme. Não falava conosco, mas seu silêncio não dizia que não merecíamos suas palavras. Ela apenas nos assistia, nós éramos um filme, e era como se nós também não estivéssemos ali.

Quando alguém queria tratá-la com respeito, lograva dispensar o apelido e a chamava de Cecília. Ela não se importava com isso. Sequer tomava conhecimento: era completamente surda.

Albano

Luzes e Sombras


Cada ano que passa é um filete de tempo que escorre de nossas vidas. À meia-noite de 31 de dezembro a cidade era um feixe de nervos, dois milhões de pessoas vestidas de branco se comprimiam na areia de Copacabana. Nessa noite somos todos supersticiosos, suspensos à opacidade do futuro, ao mistério do que vem por aí. A presença mais intensa é a da esperança.
A respiração da cidade se acelerou, subiu da areia um alarido nervoso que se transformou em coro de entusiasmo quando, boquiabertos, vimos a explosão dos fogos e a chuva de ouro caindo no mar. Rompia o ano de 2013.
Esse momento se inscreverá na memória da cidade. Como não ter esperança no futuro do Rio que é capaz de produzir um evento da envergadura e da beleza do réveillon de Copacabana? Quem disse a bobagem que não estamos preparados para grandes eventos? Quando vai acabar a autoflagelação que nos leva a selecionar cuidadosamente os defeitos da cidade e calar sobre os seus feitos?
Esse réveillon não é banal, mesmo se, ao longo dos anos, nos acostumamos a integrá-lo ao nosso calendário do verão que começa quando se acende a árvore da Lagoa e termina na Quarta-Feira de Cinzas. Ele exprime o que a cidade já é e o que mais pode vir a ser. Não é banal reunir dois milhões de pessoas que, entre ritos diversos, orações e carnaval, celebram o amanhecer de um novo ano.
Classes, credos, gerações se misturam e a festa acaba sendo uma metáfora poderosa do amanhecer de uma nova cidade, aquela, sonhada por todos, sem violência, belíssima, festiva, com um sentido de grandeza associado à criatividade e à arte. Ali está representada toda a população carioca que acorre dos subúrbios, das favelas e dos bairros de classe média a esse bairro de classe alta que pertence a todos porque, no imaginário dos cariocas e no cartão de visitas com que nos apresentamos ao mundo, é o símbolo mesmo do Rio. Quem não sabe cantarolar Copacabana, princesinha do mar?
É preciso aprender a ler os sinais que a cidade emite para além de suas mazelas cotidianas, que não são só suas, mas participam do estilo de vida das grandes metrópoles, esse inferno equivocado e massacrante que ninguém sabe quem inventou e que se abate sobre todos. O Rio, depois de um longo período de depressão coletiva, está emitindo uma mensagem de esperança e de confiança em si que deve ser entendida e acolhida.
A esperança tem vida própria e nos expulsa das cavidades protetoras da memória onde se escondem fundadas decepções. É ela que, quando um cansaço imenso busca o testemunho das desilusões, arrogante, vira as costas e anuncia que viaja nua para o futuro. Explica que os otimistas podem se enganar e que os pessimistas já se enganam no ponto de partida. Antes de partir, anuncia: “Tenho uma boa notícia.” E é ela que todos querem ouvir, ela, que é a senhora do amanhecer.
Otimismo ou pessimismo ficam na plateia. A esperança dá um passo à frente, entra em cena. Sabe que tem influência sobre o que quer mudar. Faz acontecer.
Ora, morar no Rio é conviver em permanência com luzes e sombras, alegrias e sustos, o que exige de todos, como condição de sobrevivência, uma esperança constante de conseguir que a excelência que a cidade demonstra em certos momentos se sobreponha ao descaso lá onde ele mina o cotidiano. Um belo desafio para o Ano Novo.
Se a noite de Copacabana foi deslumbrante, tivemos também amargos momentos de trevas: no dia mais quente do ano, o Aeroporto do Galeão apagou-se. Naufragou. Esse sinistro Galeão naufragado é, literalmente, a face sombria da cidade.
Lembrem-se as autoridades responsáveis queTom Jobim não merece ter seu nome enxovalhado.Tom era luminoso. Quem não teve a sorte de ser seu contemporâneo veja no magistral filme de Nelson Pereira dos Santos, “A música segundo Tom Jobim”, o quanto a cidade lhe deve. Precisamos ter um aeroporto à altura de sua música, belo como o réveillon de Copacabana, alinhado aos padrões de qualidade de que o Rio vem sendo capaz e que impressionam o mundo. O Rio que é, também, a entrada do Brasil.
Afunde-se, de vez, o sinistro Galeão e providencie-se uma porta de entrada digna do momento que o Rio está vivendo e do maestro que lhe empresta seu nome. Tampouco nós e os que nos visitam merecemos tamanho desrespeito.
São essas zonas de sombra que servem de argumento às suspeitas, infundadas, sobre a capacidade da cidade de acolher grandes eventos.
Tenho um voto e uma esperança para o ano que começa: que Tom Jobim nos proteja e que as luzes feéricas do 31 de dezembro continuem a iluminar toda a cidade.

Rosiska Darcy

Transcrito do blog 'Rio Como Vamos' - Acesse Aqui