De longe, de muito longe, em 8 de janeiro de 2010
Zelma:
Encontrei-me aqui com sua tia Aurinha (nós a chamávamos de Guida) e foi ela quem me falou de você.
Vim para cá muito antes dela. Pisei nas dobras do meu hábito, tropecei, e rolei as escadarias do convento. Morri, veja só, com tudo à mostra.
Pior que o meu foi o destino dela. Quando aqui chegou e não encontrou seu noivo, morreu de novo e continua morrendo seguidamente.
Nos intervalos falou-me de você, sobrinha querida que cuidou dela até seus últimos dias e para quem ela deixou todos os seus poucos pertences. Dentre eles uma carta por mim assinada e que era dirigida à Dona Elvira, a mãe da sua tia Aurinha. E é essa carta que me interessa. É essa carta a razão da minha.
De vez em quando olho daqui de cima e vejo você com a carta nas mãos pensando em que destino lhe dar. Pois vou lhe dizer então que a cada vez que esta carta for lida sofrerei inimagináveis castigos. E se ela se tornar pública, então, nem sei o que será de mim! Já não me basta ter morrido com tudo à mostra?...
Rasgue-a. Queime-a. Não a mostre para ninguém. Deus não existe. Mas você pode imaginar que sim. E pelo menos pelo amor que sua tia ainda devota a Ele, dê um fim nela. A Igreja cometeu (e ainda comete) incontáveis e gravíssimos erros. E, salvo os sensacionalismos de quando em vez, eles conseguem ser acobertados ou sequer chegam a se tornar públicos. Por que não o meu?... Tenho a meu favor a ignorância daquela época. Afinal, esta carta completa hoje exatos sessenta e oito anos!
Queime-a. Rasgue-a. Estarei daqui de cima tomando conta de você.
Irmã Maria Antonieta
Superiora Geral
Zelma, por favor não dê ouvidos a Irmã Maria Antonieta, e sobretudo não se intimide com ameaças. Guarde a preciosa carta.
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