Para ler ao som de Concerto de Brandenburg nº 2 de Johann Sebastian Bach
O maestro falou para a audiência: - Podem fotografar. Também podem filmar. Este é um ciber concerto. Uma novidade que queremos adotar. Mas, por favor, deixem o celular no vibra call. Enviem as fotos para o nosso blog!
Assim foi anunciado aquele concerto da jovem orquestra. Jovem maestro e jovens músicos, que contrastavam com a música, com o local e com a platéia.
Não, não é verdade que a música fosse velha. Nem mesmo antiga. Era um Bach. Sempre jovem e contemporâneo. Uma música atemporal. Sem prazo de validade para sua eterna melodia.
O local era antigo, mas não velho. O Outeiro da Glória, que naquele sufocante domingo de março que não inspirava religiosidade alguma. Pelo contrário; transpirava, sufocava a platéia num ar viciado que parecia lembrar um ambiente de pecados envoltos num cheiro de incenso gasto e ácido. Nada era reconfortante naquele templo. Só havia uma razão para alguém estar lá: três dos belos concertos de Brandemburgo.
A platéia, essa sim, era velha. Em sua maioria, senhorinhas já curvas e murchas. Pouco adiantava o ventinho fraco de seus leques que balançavam de um lado para o outro. Vapt-vapt... O calor era insuportável, mas aquelas velhinhas suportavam tudo. Estavam excitadas com a novidade do ciber concerto com música de Bach.
Quase na hora de começar o evento; minutos depois da fala do maestro surgem os retardatários que enchem a igreja com um sopro de juventude. Moças e rapazes que sentaram no chão sem cerimônia; num informalismo de gente que tem vinte e poucos anos. Apareceram também uns poucos casais que ficaram na porta com suas crianças. Não havia mais lugar.
O jovem maestro e sua jovem orquestra iniciaram o concerto número três. Havia tanta expectativa na platéia, mas ela logo se transformou num educado silêncio; tolerante frente a um insistente violino desafinado que ofuscava a música de Bach e que lembrava o sacrifício de todos estarem lá. Num domingo, num final de tarde infernal, numa temperatura de quarenta graus.
Mas era uma orquestra jovem. Esforçada. Um jovem maestro. Entusiasmado. Apenas curtiam aquele momento do talvez primeiro concerto de suas vidas. Os músicos mais experientes tentavam em vão se impor, mas o violino desafinado queria ser a estrela do evento.
Quando todos: maestro, músicos, platéia já estavam conformados e iam desistir de vez do violino inconveniente, surge uma menininha de uns três anos, que silenciosamente veio da porta da igreja. Caminhou devagar, passinho por passinho, no meio dos jovens sentados no chão e levantou um celular. Olhou para trás, sorriu para os pais. Fez um gesto de aprovação com a cabecinha e tirou um retrato do violinista e seu torturante violino. De repente, o violinista parou de desafinar. Tocou bem. Parecia mais calmo. Afinal, já tinha a sua foto. Era um ciber concerto. A música - só um detalhe.
Clicia
É impressionante. Bach não prescreve, continua valendo.
ResponderExcluirLinda estória, parabéns.