Muito além de sua imaginação, as meninas vivem os contos de fadas.
Ainda pequenas, meninas vestem-se de princesas da cabeça aos pés e agem como as suas personagens preferidas. Umas chegam a declarar que se chamam Cinderela e passam a calçar apenas um pé do sapato, inclusive para ir à escola. Outras são Branca de Neve e se recusam a comer maçã, porque pode estar envenenada; o que, aliás, é bastante conveniente para quem detesta frutas. Outras são Rapunzel e determinam que nunca mais cortarão o cabelo para que possam jogar as suas tranças pela janela da torre. Há aquelas que se consideram Ariel e passam o dia cantando e penteando os longos cabelos vermelhos com um garfo.
Trata-se do lado mágico e fantasioso da criança.
Os pais, maravilhados com a criatividade e a encenação da filha, acabam participando da brincadeira e prolongando a felicidade dela. Eles aproveitam, ainda, para tirar mais algumas fotografias enquanto pensam se há algum mal no fato de a filha se considerar e se comportar como uma personagem de contos de fadas. Não. Afinal, mulheres não andam pelas ruas vestindo longos trajes salpicados de bordados cintilantes e cabelos adornados por uma coroa de falsas pedras preciosas de plástico. Além do mais, a filha fica tão linda fantasiada!
O tempo passa, as meninas crescem. Os contornos de seus corpos mudam e, aos poucos, ganham traços da puberdade. As fantasias de princesa e os seus inúmeros adereços saem do armário para dar lugar a calças jeans, mini-saias, shorts, camisetas de malha, batas, tênis, celular e i-pod.
No entanto, as meninas-moças continuam sonhando. Sentadas na sala de aula, enquanto o professor discorre sobre algum longínquo fato histórico, ou demonstra alguma incompreensível fórmula da Física, ou explica, mais uma vez, a importância do uso adequado dos modos e tempos verbais, elas sonham acordadas e fantasiam...
O primeiro beijo roubado, o primeiro selinho e o primeiro beijo de língua... A primeira paquera, o primeiro namorado... O primeiro cartão, o primeiro bichinho de pelúcia, as primeiras flores... O primeiro programa, o primeiro jantar romântico, a primeira transa...
Ansiosas, as meninas-moças se esquecem que, cedo ou tarde, cada uma delas viverá todas essas experiências, seguidas de segundos e de muitos outros beijos... Inúmeros namorados... Vários presentes... Outras transas...
O tempo passa, as meninas-moças crescem. Os seus corpos ganham novos contornos. Tornam-se jovens mulheres.
Contudo, as jovens mulheres continuam sonhando. Não raro, durante as aulas na faculdade ou na pós-graduação ou, então, nas reuniões de trabalho, as jovens mulheres se deixam levar por fantasias... Não. Não. Não. Ah, só mais um pouquinho... Não. Não. E não! Apesar de sua pouca experiência, elas rapidamente recobram o foco e, com um pouco de esforço, voltam a se concentrar nos aborrecidos temas das aulas e das reuniões. Afinal, já foram tantos programas desmarcados, namorados egoístas, beijos e transas vazios de emoção e carinho...
É, as jovens mulheres passam a evitar sonhos e fantasias; pois, assim, não se decepcionam e ainda têm a chance de receberem uma agradável surpresa no final de semana.
O tempo passa e as jovens mulheres amadurecem. O amadurecimento confere às mulheres uma tranqüilidade interior e a capacidade de superar as dificuldades que a vida lhes reserva.
Aos homens, pode parecer que as mulheres, já maduras, finalmente compreenderam que já não têm mais idade para viver os contos de fada; afinal, mulheres maduras não cobram mais flores, jantares à luz de vela, finais de semana românticos, declarações de amor ou beijos apaixonados, muito menos em locais públicos.
Os homens estão enganados.
Apenas, as mulheres maduras estão cansadas. Cansadas de fazerem pedidos que não são atendidos e de ouvirem promessas que não serão cumpridas. Então, elas simplesmente continuam sonhando e fantasiando que os seus homens, um dia, virarão príncipes encantados e dirão:
o “Amor, desmarquei o encontro com os amigos porque hoje quero me divertir só com você”, ou;
o “Ah, amor, hoje é domingo. Vem, vamos ficar na cama até mais tarde”, ou, então;
o “Amor, não faça planos para o final de semana, nem perguntas. Apenas arrume a sua mala”, ou, ainda;
o “Entre no quarto de olhos fechados, tire a roupa, deite na cama e relaxe durante a massagem”.
Mas, enquanto os seus homens não assinalam qualquer uma das alternativas acima, as mulheres maduras seguem vivendo, dando a falsa impressão de que não se importam mais; quando, na verdade, adorariam que os seus homens compreendessem alguns detalhes do universo feminino.
Homens conseguem acreditar que mulheres realmente adoram academias de ginástica e salão de beleza – com aqueles secadores de cabelo que queimam o couro cabeludo e a difícil opção entre uma depilação com cera quente ou fria.
Não. Mulheres apenas se submetem a alguns sacrifícios para aparecerem cada vez mais belas diante de olhos que nada percebem...
No contexto do universo feminino, o dinheiro gasto com uma roupa nova ou uma lingerie sensual não se resume a um ato perdulário. Na verdade, as mulheres simplesmente precisam de mais alternativas para tentar surpreender os homens e arrancar deles uma atenção passageira. Aí, os homens reclamam que elas demoram a se arrumar e estão sempre atrasadas.
Não. Mulheres somente se esforçam – e muito – para agradar os homens, que, entediados de esperar, apesar de terem sido agraciados com mais alguns minutos diante da televisão, nem reparam em quão deslumbrantes as mulheres se fizeram para eles, reclamam e acabam estragando o momento.
Homens jamais compreenderão que inúmeras chamadas não atendidas no celular, longe de significarem vigilância cerrada, demonstram um carinho de suas mulheres, que, apesar de seus intermináveis afazeres diários, sempre encontram tempo para pensar em seus homens e dizer “Oi, amor. Só liguei para dar um beijo”.
O tempo passa. As mulheres maduras envelhecem.
O envelhecimento é impiedoso e vem acompanhado de indesejáveis novos contornos no corpo, fios de cabelo branco, rugas de expressão e marcas. Muitas marcas.
Marcas de uma infância peralta. Marcas de uma adolescência rebelde. Marcas de uma juventude intensa. Marcas de um amadurecimento sereno. Marcas de um envelhecimento sem volta.
Então, para conseguirem sobreviver às surpresas que a vida ainda lhes reserva, as mulheres idosas voltam a sonhar fantasias envelhecidas, algumas vividas, outras nunca sabidas. E, assim, no tênue limite entre o real e o imaginário, essas mulheres resgatam os velhos contos de fadas.
Muito além de sua imaginação, as mulheres idosas revivem os contos de fadas.
O tempo passa. As mulheres idosas morrem e os contos de fadas chegam ao fim.
Maria Paula
linda estória... uma fantasia com os encantos da autora
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