Crônica de um leitor só

Você precisa aprender que, em um relacionamento, é mesmo difícil priorizar os nossos objetivos de vida, concatenar as coisas que devemos fazer com as quais precisamos viver. Viver um relacionamento a dois é uma arte, é como equilibrar uma pilha de pratos andando em uma tênue linha de equilibrista, é preciso não perder o equilíbrio e nem deixar nenhum prato cair. Em um relacionamento, tudo é prioridade, inclusive o relacionamento. Inclusive aqueles momentos únicos a dois, que não devem se perder na mágoa da memória. Deve ser por isso que tanta gente anda sem tempo pra viver um relacionamento hoje: porque a ele é preciso se entregar de corpo e alma, com algo de fé religiosa, na inabalável esperança de que você não está perdendo seu tempo. Um relacionamento não deve ser mais um compromisso na sua agenda, mas sim o seu bálsamo, também aquilo pelo qual você atura as outras coisas da vida.

Você precisa aprender que, ao contrário do que dizem alguns ignorantes por aí, as mulheres não foram criadas a partir da costela do homem, nem qualquer bobagem parecida. Somos indivíduos, únicos, singulares, somos o misterioso Outro, é por isso também que tudo se torna tão difícil. Porque o Outro é aquela terra prometida, porém em guerra constante. É aquele território a ser conquistado, mas que nunca será conquistado totalmente, sempre guardará sua semente de independência. As guerras são sempre declaradas em nome de algum tipo de independência, veja você. Apesar das centenas de anos de subserviência, ainda estamos aqui, relutando para sermos livres nessa bosta de mundo – iguais não. Pois não queremos a falsa igualdade, a pseudo igualdade daquilo que é diferente em essência. A igualdade é a subserviência de gênero disfarçada, pois, ainda que iguais, não seríamos livres.

Você precisa aprender que as relações se desgastam com o tempo, e na maioria das vezes por besteiras. As pessoas se propõem, ainda, a gastar sua energia em discussões patéticas e irrelevantes. Você precisa aprender que o amor requer com ele a mais absurda quantidade de paciência para também aturar o Outro, esse Inominável, esse Querido Intruso nas nossas vidas. É preciso amadurecer a porradas francas e lutar contra as nossas ilusórias construções infantilóides, é preciso acabar com essa construção de egozinho machinho em constante briga contra a mamãe que vai roubar o falo. É preciso tornar-se homem, repensar o passado de forma distanciada para poder acreditar em futuro. É preciso amadurecer em conjunto com uma mulher, essa criatura tão repetidamente castrada por tantos e de tantas formas, parceira das mesmas brigas internas.

Você precisa aprender que, se bobear, o trem da história já passou por cima. É triste isso, mas vivemos em um mundo tão cruel para projetos a dois, por mais variados motivos. O relacionamento tem um quê de insistência, de rebeldia, de oposição a esse caos fetichista em que vivemos. Esse carrossel, montanha-russa de prazeres que chama com suas luzes néon na cara, prometendo que vai ser melhor do que está hoje, o que você tá fazendo aí parado, pula agora que é a sua última chance, é carnaval em modo fractal. As tentações do nosso mundo não são poucas, e nunca estiveram tão banais, tão ao simples acesso digital. Para hoje, basta um clique. E com um clique, tudo hoje pode se desfazer, até os projetos mais sólidos. Vivemos em um mundo, em um tempo, onde todos estão perigosamente à procura da euforia, constante e entorpecente.

Você precisa aprender que os seres humanos, em geral, são dotados das mais incríveis e incendiosas qualidades e, na mesma proporção, dos mais abjetos defeitos. Faz parte da natureza humana errar. Geralmente somos implacáveis com os defeitos alheios. Mas, em um relacionamento, é preciso ter serenidade e bossa para conviver com eles. Existe algo de intolerável no Outro, sempre existirá. Aquele pequeno detalhe que pode fazer você enlouquecer quando as coisas já não estão bem. Mas, veja você, existe algo também de intolerável em nós mesmos, o que prova inexoravelmente que não existe um abrigo seguro. A nossa condição nunca será absolutamente pacífica, ainda que solitários. Há algo de bélico em nós. Por isso, tão necessário é saber contornar essa fagulha de irritabilidade, para que um incêndio não destrua tudo, para que labaredas não consumam o que foi construído tão lentamente, com pinças cirúrgicas. Também um relacionamento é medido em equações complexas, cheias de variáveis desconhecidas, também matemática, também metafísica.

Você precisa aprender que devemos ter muito cuidado com as palavras. Por elas amamos, por ela também odiamos. O silêncio raivoso, também conhecido pela alcunha de passividade agressiva, pode ser tão dolorido quanto um tapa, só que mais sofisticado, pois contra as agressões internas não existem leis e nem prisões. Esse silêncio é a prisão, pois não há nada pior do que ser invisível perto de alguém. Você já se sentiu invisível perto de alguém? Há que se ter muito cuidado para não transformar a raiva, que é absolutamente saudável, em doença, loucura ou sadismo. Temos que ter cuidado com o discurso, e também com a falta dele. Ambos são tão potentes quanto uma faca, só que estes cortam coisas invisíveis, que não mais podem ser remendadas. Não existe hospital possível para a mágoa da invisibilidade, essa opção confusa, errônea e cruel.

Você precisa entender que mulheres são seres passionais, territorialistas e hormonalmente instáveis. Se você não consegue lidar com isso, pare de se relacionar com mulheres. Existe algo que você – de natureza tão diversa – nunca conseguirá entender, que é a dor da menstruação, a dor do parto, de sermos nós mesmas. Existe algo sempre de melancólico em uma mulher, de forma latente ou não. Também eu nunca conseguirei alcançar seus mistérios – porque, por exemplo, os jogos do Campeonato Brasileiro são tão importantes, afinal de contas, é só um campeonato – mas aquilo que não se compreende deve ser respeitado. E o respeito deve ser proporcional ao peso da paciência. O Outro será sempre a montanha que nunca alcançaremos, porém, ao alcance das mãos.

Você precisa intuir que o amor também é o recomeço, é o apesar de, o amor é um sobrevivente, de muitos jeitos. O amor é um gato de sete vidas. Mas, olhe bem, as vidas são múltiplas, porém limitadas. Infelizmente, até o amor acaba, e nada parece ser eterno em nossas vidas, a não ser no campo saudoso das memórias, modificadas ao nosso sabor. Nelas, que perigo, tudo é mais bonito. O amor pode chegar ao ponto de ir para o CTI. Pior ainda, ele chegar ao ponto do médico olhar bem fundo nos olhos e dizer ‘Acabou’. Até a sobrevivência acaba, portanto é necessário cuidado com os tombos.

Eu nunca te disse que me amar seria fácil. Eu não te prometi isso. Mas tudo tem preço, a nossa sociedade se faz negociável. Eu te disse: sou uma locomotiva sem freios, ou você pula nela ou se joga na frente, a espera de ser atropelado. Existe em mim algo de absolutamente selvagem, que nem o melhor verniz de civilização conseguiu apagar, nem o melhor chá inglês na porcelana mais delicada. Eu ainda sou um burro xucro, apesar das roupas afáveis.

O amor não tolera mediocridade, a paixão não tolera a mediocridade. Nós precisamos aprender que o amor é uma promessa séria, o amor é uma promessa séria, e nela não cabe nenhum tipo de covardia.


Eloise

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