Quase morri sem ver o mar

A viagem fora planejada com alguns meses de antecedência, mas só a convidaram alguns dias antes de que uma enorme van cheia de jovens adolescentes estacionasse em frente à sua casa para recolhê-la. Sua mãe veio diligentemente até a porta de entrada para entregá-la aos cuidados do único adulto do grupo. A mãe havia assado umas roscas, um doce  típico de seu estado natal; as quais teve o capricho de envolver  em um papel celofane, amarrando o pacote com um belo laço de fita vermelha; "...assim ficam mais bonitas e apetitosas" dissera a mãe para garota que a olhava com um sorriso sem-graça,  já prevendo o constrangimento que o gesto da mãe lhe causaria.

Depois de vê-la instalada na van a mãe entregou orgulhosamente seu precioso embrulho à senhora que zelaria por sua filha por quase uma semana – como se aquela pequena oferta garantisse que sua filha seria bem tratada.

No café da manhã do primeiro dia as roscas ficaram esquecidas em um canto da mesa. Ninguém as quis comer, nem mesmo ela que envergonhada (consigo mesma) fez cara de nojo imitando os demais sentados à mesa. Interiormente no entanto seu coração estava apertado sentindo uma pena enorme da mãe a quem jamais ocorreria a razão para tamanha rejeição...

Depois do café, finalmente, foram todos para a praia. A manhã  estava radiante, o  céu sem uma única nuvem para perturbar sua placidez azulada, o sol já indo alto no horizonte. Quando a garota pela primeira vez na vida entrou em contato com a areia se sentiu um pouco incomodada, a sensação tátil prazerosa veio misturada com a irritação ao ver que ao menor contato com a areia seu corpo saía marcado - a areia formando faixas amareladas nas suas pernas e braços. Com o passar das horas começou a se sentir – que ironia!, como uma das roscas da mãe, o açúcar cristalizado dando vez à areia que parecia cobri-la  do dedão do pé ao último fio de cabelo.

A garota olhou à sua volta a procura de socorro - Chegara a hora de enfrentar o mar! Sua melhor amiga percebendo seu ar de desconsolo, aproximou-se e puxando-a para o lado, cochichou no seu ouvido: - "É verdade que você nunca viu o mar?". A garota sentiu um rubor queimar sua face. Quem teria feito tamanha traição e contado algo que ela considerava inconfessável? A idiota da mãe com certeza! Já não bastara a estória da rosca... ela poderia ter me poupado de mais esse vexame! A garota virou-se para a amiga e com um ar desafiador, na esperança de que a mentira colasse, disse: -"É claro que não! Eu já vi o mar um montão de vezes...". A amiga insistiu: -"Então por que sua mãe disse para minha mãe que cuidasse de você porque você jamais tinha nadado no mar?". A garota engoliu em seco, subitamente uma idéia - é claro:_ "Mas é isso mesmo, eu nunca NADEI no mar o que é bem diferente de jamais ter VISTO o mar, né?". A amiga meio confusa a olhou com estranheza: –"Você tem umas idéias! É claro que eu também não nado no mar... minha mãe teria um ataque de nervos se me visse nadando". A garota sorriu aliviada – dessa havia escapado! Virou-se para a amiga e com um ar maroto sugeriu: - "E se a gente for nadar agora?".

As duas saíram correndo em direção ao mar. A garota sentia seu coração bater forte no peito. Ao primeiro contato com a água, seu corpo se enrijeceu na expectativa do que viria a seguir. Surpreendeu-se com a temperatura da água–fria, mas essa sensação foi logo tomada pelo deslumbramento ao ver as ondas quebrando aos seus pés, deixando à sua passagem um rastro de espuma branca que a envolvia em um abraço efervescente. Avançava com cautela uma vez que não tinha a menor idéia da textura do fundo do mar e tampouco de sua profundidade – ia afundando aos poucos ou de repente cairia em um abismo? Quando furou sua primeira onda se sentiu gloriosa e quando descobriu que poderia voltar à praia na crista de uma onda sua satisfação já não tinha limites. Mas nada comparado ao prazer de desfrutar em silêncio, sem que os outros sequer se dessem conta, a descoberta desse mundo novo que entrava em sua vida para marcá-la para sempre.

Cristina

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