A Despendência do Amor

A madrugada de terça já corria alta e meu sono no seu décimo pesadelo quando acordei angustiada. Eu já tinha encerrado a segunda-feira, dia da oficina de crônicas, e nada, nada na minha vida de sempre despertava as palavras dentro de mim. O que eu fiz depois da aula? Andei por uma rua escura do Jardim Botânico, peguei e paguei o táxi, cheguei em casa, abri a porta, liguei e desliguei a televisão, escrevi e apaguei dois parágrafos de um roteiro, li e odiei um capítulo de um livro bobo e, finalmente, dei logoff nas minhas pestanas. Nada diferente, nenhuma conversa incrível, nenhum acaso perturbador, nenhuma paixão desnaturada. Sim, porque este é o melhor dos temas particulares que se veste público, não é? Rasgar o peito até sangrar e depois cerzir com uma linha bem grossa, daquelas de fazer filisteu corar.

E então eu me senti sozinha. Irremediavelmente sozinha.

Veja, não há nada mais grave do que não ter histórias. Você chega em casa e é recebido pelo gato, que te esnoba afetivamente. Depois, bebe um suco de laranja quase azedo comprado de manhã, toma um banho burocrático, passa o creminho francês, caro e cretino, para evitar as inevitáveis rugas, coloca a camisola especialmente para ninguém e vai dormir, ocupando apenas os 50% sem livros da cama king size. Eu, que amei os caras mais incríveis do mundo (e fui amada por eles com recíproca improvável), estava ali, com a segurança de um coração que bate só pra si. Que ódio.

Acessei a agenda do telefone, revi torpedos bêbados, reli e-mails de semanas atrás, relembrei os últimos encontros. Nada, ninguém que me fizesse ondas no ventre. Do último ano, pensei em todos os beijos na boca. Hum. Aquele cineasta chato. Não. Teve o escritor babaca. Nhé. O engenheiro que não entendeu muito bem minhas piadas. Não, não. O colega de trabalho que... deixa pra lá. E o ex-marido, mas ex-marido não conta.

Mal com a mesquinhez do meu cotidiano, tão banal, liguei para o amigo do peito, um loiro alto, lindíssimo, inteligente, delicioso e gay, claro. Ele, sem pudores, me disse exatamente aquilo que é preciso ouvir, aquela centelha de conhecimento que só a profundidade das relações é capaz de erguer, o melhor conselho que alguém pode dividir:

- Era só o que me faltava! Você quer uma fossa? Giovana, para de frescura e vai dormir, porra!

E assim eu fiz. Porque há homens que eu simplesmente obedeço.

Giovana

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