The book is on the table

Que sou um objeto, eu sei. Talvez, apenas, não seja como outros quaisquer. Tenho dupla personalidade. Sou um livro e, ao mesmo tempo, o seu conteúdo.

No momento, estou na mesa.  Uma mesa de debates a respeito do meu futuro. Sabem, é revoltante e, confesso, angustiante ouvir as previsões apocalípticas que alguns vislumbram para mim diante da chegada do tal e-book. Afinal, eu, um símbolo de status, não posso ser substituído assim, de repente... Ou será que sim?

Bem, vamos retornar à época do meu nascimento e às dificuldades que enfrento desde então. Talvez, assim, vocês compreendam a minha indignação.

Com certeza, o meu conteúdo não foi prematuro. O meu autor insistia em revisar vezes e mais vezes o meu texto, até que, um dia, o seu editor exigiu a entrega do original.

Ufa! Já estava cansado de ouvir o meu autor ter dúvidas a respeito do meu conteúdo e receio do próprio fracasso. Cheguei a ter pesadelos com a biblioclastia e a temer o triste destino de alguns antepassados meus.

Enfim, depois de alguns meses, nasci – o primeiro exemplar, com capa, título, folha de rosto e tudo o mais que um livro tem direito.

Aí, então, começaram outros problemas. A primeira tiragem será de quantos exemplares? Quais os resultados da pesquisa de mercado quanto à receptividade do título pelos leitores? Trata-se de uma obra de interesse geral ou específico?

Resolvidas essas questões, os meus exemplares são providenciados e distribuídos às livrarias, onde precisam disputar espaço em prateleiras apertadas e lotadas de outros títulos. Alguns leitores passam direto. Outros param, lêem o título e só. Alguns nos tiram da estante e nos folheiam. O toque dos dedos e o seu deslizar por sobre as linhas do nosso texto são sensações maravilhosas... Fim do sonho e de volta à prateleira. E, assim, os dias passam; até que um leitor não passa, para e lê o título. Tira um de nós da estante e folheia as páginas suavemente. Fecha o exemplar, aproxima-o do seu rosto e, quase imperceptivelmente, inspira. O leitor dirige-se ao caixa carregando orgulhosamente o sortudo exemplar.

Sou um livro e sei a emoção desse feliz encontro entre leitor e título na Babel que é uma livraria.

Vai e-book. Agora é a sua vez. Mostre do que é capaz.

A sua vida é muito mais fácil. Não tem prateleira lotada na livraria. Não tem o suspense da paradinha de leitores. Mas, também, não tem toque de dedos. Não tem cheiro. Aha! Nem fogueira tem. Para acabar com um e-book, basta deletar o seu texto. Que falta de dramaticidade.

Aqui, de volta ao tampo da mesa, grito silenciosamente para o meu autor e para o seu editor: “Não me lancem em infinitos exemplares!”; afinal, não quero que os meus exemplares virem encalhe – que palavra horrível - e fiquem esquecidos em depósitos escuros. Ou, pior, sejam triturados e reciclados.

Não me incomodo de ter poucos exemplares. O importante é que eles encontrem os seus leitores e cada dupla viva uma experiência única e fascinante quando e onde o leitor assim desejar.

Como objeto, existo há muito tempo e já enfrentei outros supostos inimigos que, segundo diziam, me substituiriam. Aha! Continuo vivo e cobiçado, especialmente pelos amantes do livro. Então, não será o e-book que me derrotará. Ele é só mais um suporte diferente para o conteúdo e poderá até conquistar os amantes da leitura.

Já os amantes do livro serão sempre leitores fiéis a mim. Não me importo de esperar por eles. Mesmo que seja no aperto de uma prateleira de livraria. Muito melhor do que na imensidão vazia da internet.

Maria Paula

Um comentário:

  1. Adorei a ponderação acerca do e-book - que "nem fogueira tem".
    Quando os nazistas queimaram os livros de Freud, o bruxo de Viena, com o humor que lhe era peculiar, comentou:
    - Eu vejo a humanidade mais evoluída. Se fosse na Idade Média eu seria queimado... e não meus livros.

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