Vai subir?

A pequena voz dentro dele o pressionava: Você tem quarenta segundos, cara, é o tempo que o elevador chega ao térreo. Vai, vai, vai! Ele tinha decidido que não perderia a primeira oportunidade de falar com aquela gatinha gringa do quinto andar. A experiência lhe mostrou que se não falar com a mulher, ainda que uma simples palavra, nada acontece. Nesse campo, mais vale uma tentativa do que uma desistida. Mesmo que seja no constrangimento do elevador, como surgiu a oportunidade.

Puxou então uma conversa sobre corrida – ela estava de shorts e tênis esportivos. Comentando sobre os perigos de correr sozinha à noite, ela de pronto o chamou para treinarem juntos.

A tal voz interna voltou: Cara... tem algo aí! Uma gata dessas dando esse mole? Mas quem disse que ela está na tua? Ela quer correr, só isso, companhia, proteção contra a violência que assola esta cidade. Devagar! Não perde a chance não, não chove sempre assim na tua horta! Marcaram então a corrida.

Em dia de lua cheia sobre o mar de Copacabana, lá foram eles correr. Ela se desculpou pelo atraso, havia levado a sobrinha ao hospital. Nada grave, pelos exames, mas estava um pouco preocupada. Contou ser francesa, ter pai holandês e mãe alemã, e há pouco conseguira realizar seu sonho de fazer um estágio de dois anos com Paul Bocuse em Paris. Participava de campeonatos de “kite surf”, sua paixão. Na volta, apresentou Platini, o vira-lata da rua, de quem cuidava.
    
Ela perguntou se poderia conhecer o seu apartamento, pois estava à procura de outro para alugar, e não conhecia os imóveis daquela coluna. 
Rapaz, ela pediu para ir à tua casa! Tá no papo! Não tem erro, mas não pode afobar agora! Só você pode colocar tudo a perder... Cara, isso está acontecendo mesmo?
    
Ao final da visita, por óbvio pressionado pela incansável voz, ofereceu-lhe uma taça de vinho. Ela disse ser uma ótima ideia, mas estava suja, iria ao seu apartamento tomar um banho, e se tudo estivesse bem com a sobrinha, subiria para homenagearem Baco.
    
Cara corre pro banho, não demora, heim? Vai se dar bem hoje, heim, moleque?!Toca o interfone. Ela está nitidamente nervosa, chora, dizendo que tem que voltar ao hospital, a sobrinha não passa nada bem. Ele oferece ajuda, no mínimo uma carona. Ela agradece, a irmã a levaria.

Aí tem coisa! Ela está dando um perdido! Ela está inventando essa história, cara! Não está vendo?! Você que está louco, a menina indo ao hospital, a sobrinha acidentada, e você criando coisas na cabeça! Mas aí tem, isso tem. Que história esquisita! É por isso que o mundo não vai pra frente, ninguém confia em mais ninguém, não dá nem para começar um relacionamento, antes já se supõe o engano! Coisa feia!
    
Pegou o interfone e perguntou ao porteiro se ela tinha saído. Sim, tinha saído sozinha.
- Mas a irmã não a pegou de carro para ver a sobrinha no hospital?
- Ué, ela não tem irmã, muito menos sobrinha! Nunca vi família por aqui...
- Estranho! Vem cá, ela passou dois anos fora, na França?
- Não, eu vejo ela por aqui todos os dias.
- Vai dizer que ela também não faz “kite surf”?
- Nunca vi nada disso não! Ah, vou lhe contar uma coisa, pois está tudo muito estranho: antes de sair, pediu para não falar para o senhor que tinha saído... 
    
Caraca! A mulher é uma psycho! Maluco, ela tem uma irmã e uma sobrinha imaginária, cria histórias! Mermão, pula fora!
    
A princesa virara uma perereca, e das mais maluquetes.
    
No dia seguinte, logo de manhã, ela liga. Ele ironicamente pergunta sobre a sobrinha. Fora só um susto, já estava bem, sugerindo que marcassem algo para fazer. Ele diz que sim, era só combinar.
    
Ela o procura mais duas vezes, ele ignora as chamadas. Por fim, ela manda uma mensagem perguntando o que foi que aconteceu, se ela tinha feito algo. Ele torpedeia: “não aconteceu nada, loucuras da vida moderna”. Ela não o procura mais. Ela logo começa a namorar o jovem médico do nono andar. Me safei! Coitado do doutorzinho...
    
Tempos depois, ele chega à noite no prédio, e está lá sentado um novo porteiro. Pergunta o que aconteceu com o antigo.
- Foi mandado embora por justa causa... Ouvi falar que vivia inventando coisas dos moradores, fazendo intriga, dizendo umas mentiras sem sentido. Gostava de colocar uns contra os outros. Parece que ele tem problema, nos outros lugares que trabalhou aconteceu a mesma coisa...
    
Nesse momento chega a vizinha com o namorado, se dirigem ao elevador, e segurando a porta, perguntam: “Vai subir?”

Rodrigo

Um comentário:

  1. Rodrigo,

    Muito legal! Que porteiro é esse, hein?!

    Você está de parabéns!

    Passar por aqui está virando hábito!

    Abçs,

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